Prioridades

Oficialmente, o inverno chegou. Com ele, vem minha vontade incontrolável de desaparecer do mundo até a primavera. O inverno suga 80% da minha energia, que já não é lá essas coisas. Fico mais em casa, evito eventos sociais, dobro o consumo de Netflix. Sinto muito, muito frio. Estudos realizados através de observações – as minhas, no caso – apontam que sinto mais frio que a maioria das pessoas com quem convivo. Enquanto elas se contentam com uma blusa e um casaco, já estou de blusão e manta.

Há três anos, fui diagnosticada com distimia, uma depressão leve, mas constante, que não inviabiliza uma vida normal, mas tira boa parte da vontade de fazer qualquer coisa. Desde então, uso medicamentos que contribuem para inibir a doença e me ajudam a não ser tão preguiçosa – tem um tanto da preguiça que é meu mesmo, não tem remédio que resolva. Contei isso para dizer que, de lá para cá, a psiquiatra aumenta um pouco da dose do antidepressivo durante o inverno, já que o efeito que o frio, a chuva e o dia nublado têm sobre mim é visível.

Nesse período, só tenho vontade de ficar embaixo das cobertas e comer. Comer coisas que engordam. Muito. Na verdade, tenho vontade de comer coisas que engordam em qualquer estação do ano. Mas no inverno essa vontade é desesperadora. E, de todos os meus desejos, nenhum é mais intenso do que comer uma panela de brigadeiro quente. Qualquer hora, qualquer dia. Provavelmente, se eu fosse condenada à morte, essa seria minha última refeição. Acredito que essa vontade não venha só do fato de ser maravilhoso, é também por ser o que mais evito entre as coisas que eu queria comer diariamente e não como.

Eu gostaria de, todas as sextas-feiras, passar no super, pegar uma caixa de leite condensado e sentar para assistir Netflix degustando meu brigadeiro. Porém, isso é incompatível com minha necessidade de emagrecer. Estou incomodada por estar acima do peso. Faço alguma coisa para mudar? Não muito, mas evito chutar o balde. Se estou achando ruim agora, imagina com uma panela de brigadeiro por semana? Não posso me dar a esse luxo. É uma questão de prioridades.

Aí vem a Copa do Mundo. Comentei no post anterior o quanto gosto de Copa, de futebol em geral. Cheguei a integrar, por alguns meses há vinte anos, uma torcida organizada do Grêmio. Mas o valor, financeiro mesmo, de tudo relacionado ao futebol, começou a ficar muito fora da minha realidade. Mensalidades, ingressos, camisas, era tudo muito além do que eu achava aceitável para o meu padrão. Abri mão da emoção do estádio ou do uniforme atualizado. Não tinha grana para aquilo. Prioridades.

Voltando à Copa. Há algumas edições, não torço para o Brasil. Tenho ranço das últimas seleções. Jogadores mimados ou supervalorizados, arrogância, salto alto. Não consigo torcer por quem não simpatizo. Mas não é só por isso. Minha percepção sobre esse esporte e a vida real mudou. Acho inconcebível o valor que se dá ao evento, enquanto inúmeras reais prioridades são deixadas de lado. Não estou me referindo a gostar ou não da Copa do Mundo. O ponto é mudar rotinas em função de uma partida que, na prática, não fará diferença alguma na vida dos brasileiros.

Minha maior revolta, e a demora para publicar esse texto vem do fato de eu estar buscando palavras menos radicais para descrevê-la, foi saber que alguns postos de saúde alteraram seus horários em dias de jogos. E, ainda pior, o INSS reagendou consultas e perícias marcadas para a hora da partida, pois liberariam seus funcionários para “torcerem pelo Brasil”. Em que mundo vivem?

Temos um sistema de saúde muito bom no papel, mas ainda bem deficitário na prática. Pessoas esperam meses para serem atendidas. E, de quatro em quatro anos, adicionam às suas orações o pedido de não terem sua consulta marcada bem na hora em que o Brasil entra em campo. Temos também um dos governos mais corruptos do mundo, que, entre os últimos absurdos, votou pela liberação de agrotóxicos e restrição de produtos orgânicos. Mas tudo bem, porque o próximo jogo da seleção é sexta-feira, às 15h, e vai dar para emendar com o fim de semana.

É muito bom torcer por um time, ainda mais por um que tem claras chances de ganhar. Mas se isso significa deixar de lado o respeito ao próximo, o compromisso profissional e o dever cívico, tudo perde o sentido. Quando nosso país estiver mais para o lado bom do que para o ruim, poderemos nos dar ao luxo de largar tudo na hora dos jogos. Até lá, é uma questão de prioridades.

Um comentário

  1. Tem certeza que não estás gravando meus pensamentos para depois copiá-los? 😋😄😄 Assino embaixo, como sempre!!! ❤️❤️❤️

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